NACAB - Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens

Maior catástrofe ambiental do país é seguida por série de abusos pelas empresas responsáveis

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Rio Doce, cuja bacia é a mais importante da região sudeste, teve mais de 600 km (cerca de 80% do seu leito) cimentados por lama com alto teor de ferro e outros metais.

À esquerda uma imagem do Rio Doce limpo, rodeado por vegetação nas duas margens. À direita uma imagem do rio coberto por lama, com um peixe e galhos jogados.
Imagem mostra antes e depois do Rio Doce. Peixes como o Cascudo e o Bagre, de alta resistência ao barro, morrem aos montes à beira do rio ao tentarem fugir. Foto: Reprodução.

Ao quinto dia do mês de novembro o Brasil, um dos mais privilegiados em termos de reservas mundiais de água doce e o maior exportador de minério de ferro do mundo, vive mais um drama causado pelas mineradoras. Por volta das 15:30h, a barragem chamada Fundão, em Mariana (MG), contendo 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério (capacidade para 60) e 920m de altura, se rompe e todo o seu conteúdo desce pelos vales atravessando à segunda barragem chamada Santarém, com 7 milhões de metros cúbicos de rejeitos (limite da sua capacidade). Ao contrário do que se pensava inicialmente a barragem de Santarém não se rompeu apenas transbordou retendo parte dos rejeitos e tornando-se outra ameaça.

Esse tsunami de lama desceu por mais de 5km e atingiu o primeiro povoado, Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana com 612 habitantes e cerca de 180 casas. O distrito, que não possuía alarme sonoro de rompimento de barragens, foi varrido do mapa sobrando apenas 22 casas de pé. A partir daí os mais de 50 milhões de metros cúbicos de lama seguiram seu curso atingindo a área rural de Camargos e área urbana de Águas Claras, Paracatu de Baixo e Gesteira, distritos de Mariana e outros 19 municípios até atingir o mar pelo município de Linhares. Eis o retrato da tragédia.

 

Um mapa com a legenda "Principais Distritos e Municípios afetados pelo rompimentos das barragens em Bento Rodrigues - Mariana - MG - Brasil", a trajetória do Rio e as cidades atingidas.

 

OS CULPADOS

Uma montagem representando árvores caindo de uma barragem, e uma criança com traços indígenas chorando. Um texto em inglês diz "nós transformamos florestas tropicais em minas e barragens, não importa como" seguido pela logomarca da Vale. As barragens, que são no total 3 (há também uma barragem maior e mais velha chamada Germano) pertencem à Samarco Mineração S/A e fazem parte do complexo de minas da Samarco na região. A Samarco é um empreendimento conjunto da BHP Billiton (mineradora e petrolífera anglo-australiana) e da Vale, maior mineradora do mundo. Vale É preciso lembrar que a Vale é também considerada, pela Public Eye People’s, a pior empresa do mundo em termos de desastres socioambientais e de desrespeito aos direitos humanos e é atora em diversos outros desastres e conflitos com comunidades tradicionais.

 

Incrível incompetência e malícia: estado a serviço das empresas

O que a população tem assistido, depois da enxurrada de lama, é uma enxurrada de incompetência e subserviência do estado à malícia da empresas. Já são 15 dias desde o ocorrido e as causas do desastre ainda não foram determinadas. A empresa nem mesmo sabia que tinha sido somente uma barragem rompida. E o estado, em todas as suas esferas e órgãos, não fez nenhuma movimentação contundente para apurar os fatos, nem mesmo a análise da água. Tantas pessoas e animais tiveram contato direto com a lama, milhares de pessoas dependendo da água para seu consumo e nem o estado brasileiro, nem estado de Minas Gerais e nem o município de Mariana foram capazes de atestar com certeza a qualidade da água. Bastava uma simples análise que dura, na pior das hipóteses, dois a três dias. Diante disso nos perguntamos, por quê? Será que temiam os resultados?

Outra prova de incompetência é o fato da lista real com os desaparecidos e corpos até então encontrados só vir a aparecer no fim de quase uma semana. E os desabrigados, que somam mais de 600, terem de esperar dias amontoados num ginásio até serem realocados em hotéis.

A verdade é somente uma. A mineração colocou o oitava economia do mundo de joelhos e não há nada que o estado brasileiro possa fazer pra reverter a situação, pois é uma escala global. Assim como o é com os bancos internacionais e a Grécia ou com a indústria petrolífera e os países árabes. Questionado sobre essa questão pelo repórter Juliano Dip, do programa CQC da Band, o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), afirmou “Eu te digo que nós somos totalmente refém da mineração e quando eu te falo que 80% [da arrecadação municipal] advém da mineração, se eu te falar hoje que eu vou bater firme e que eu não vou aceitar a mineração no meu município eu to falando que eu não vou poder manter os meus programas, que eu não vou poder pagar em dia e que o meu município vai ser inviável.”

Numa clara tentativa de manipular a mídia, a empresa alega que abalos sísmicos podem ter causado o rompimento, contrariando todos os especialistas que afirmam que a engenharia de todas as obras desse tipo devem levar em consideração abalos e que devem suporta-los. Somado a isso a barragem, que já estava praticamente no limite da sua capacidade, apresentava indícios de situação de risco em 2013 quando técnicos da UFMG já haviam afirmado a possibilidade de colapso da estrutura caso intervenções não fossem feitas, voltaremos nisso mais a frente. E em julho desse ano, o órgão fiscalizador, ao realizar inspeção solicitou reparos em sua estrutura.

No alarde inicial do acontecido e com o ocultamento de informações pela Samarco não se podia prever toda a extensão dos impactos. Não se sabia quantas pessoas haviam sido soterradas, quantas estavam desaparecidas, quantas barragens haviam se rompido e nem quais cidades seriam realmente atingidas. Somente após mais de uma semana e com alertas dos movimentos sociais e especialistas é que se conheceu de fato a extensão dos impactos. Um distrito riscado do mapa, um grande rio cimento por ferro, milhares de pessoas sem água e centenas de famílias sem saber como recomeçar a vida.

Uma imagem do Rio Doce coberto por lama, com uma baixada totalmente encoberta ao fundo.

Série de abusos

Vários têm sido os relatos e os vídeos nas redes sociais sobre abusos da empresa e controle sobre a informação que é passada, sobre acesso ao local do desastre, sobre visitas nos hotéis, etc. É inconcebível que somente a causadora do maior desastre ambiental do país tenha acesso “à cena do crime”. Que somente ela diga o que tinha e o que não tinha no rejeito ou que ela controle o acesso aos quartos dos hotéis onde as famílias atingidas estão. Ao tentar ter acesso ao hotel, o jornalista Juliano Dip, do programa CQC, foi barrado por duas vezes e como se isso não bastasse foi novamente barrado, dessa vez na coletiva de imprensa dada pela empresa.

Outro fato absurdo, foi o envio pela Vale de água com querosene para Governador Valadares. A cidade de quase 264 mil habitantes passou por um desabastecimento de 8 dias. Com tal situação, o Ministério Públicodeterminou que a Samarco/Vale garantisse o abastecimento e ao enviar a primeira remessa, 240 milhões de litros de água tiveram de ser descartados pois continham alto teor de querosene. A situação era tão crítica que um caminhão-pipa chegou a ser saqueado enquanto transportava água para hospitais e escolas.

 

Responsabilização: a empresa sabia dos riscos

Apesar de várias hipóteses terem sido criadas e diversas possibilidades de causas terem sido levantadas, uma coisa é certa, não é possível negar o fato de que houve negligência por parte da empresa. Primeiro em relação à manutenção da estrutura e segundo em um plano de contingência que levasse em conta o enorme estrago socioambiental em potencial.

A empresa e o Ministério Público sabiam que haviam irregularidades na barragem, pois laudo feito pelo Instituto Prístino mostrava que duas áreas da barragem estavam se sobrepondo, o que poderia “potencializar processos erosivos” e ocasionar a “evolução de um processo de saturação, por obstrução da drenagem” causando o “colapso da estrutura“.

Devido ao laudo que recomendava à Samarco a apresentação de um plano de contingência em caso de riscos ou acidentes, a Promotoria se absteve da votação da revalidação da licença de operação da barragem. Mesmo assim, ela foi aprovada pelo Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental).

Uma imagem escrito "Instituto Prístino", de Belo Horizonte, um laudo técnico em resposta ao parecer único número 257/2013, sobre a revalidação da licença operacional da barragem de rejeitos do fundão. Samarco mineração S/A.

Penalizações

Diante de toda essa triste novela, surgem tentativas firmes de fazer a Samarco/Vale/BHP pagarem pelo que fizeram. A primeira iniciativa que veio à tona foi a multa anunciada pela presidenta Dilma Rousseff que seria aplicada pelo IBAMA no valor de 250 milhões de reais. No total, o Ibama aplicará à Samarco cinco multas, cada uma de R$ 50 milhões. A Secretaria de Meio Ambiente do Espírito Santo também informou que vai lavrar uma multa à Samarco. Segundo o secretário Rodrigo Júdice, o valor ainda não foi calculado, mas vai ser proporcional ao patrimônio da empresa, bem como ao dano causado.

O governo de Minas Gerais já se movimentou e notificou a mineradora para pagamento de multa de R$ 112.690.376,32, por danos causados ao meio ambiente. A empresa, agora, tem 20 dias para recorrer da decisão. A secretaria ressaltou, em nota, que essa é apenas a primeira multa aplicada. “Após o término dos trabalhos de identificação e quantificação dos danos, o órgão ambiental poderá aplicar outras penalidades específicas sobre fauna, flora, ictiofauna, recursos hídricos e outros, que poderão ser identificados ao longo das investigações”.

Além das multa, o conglomerado minerador Vale/BHP/Samarco assinou na última segunda, 16, Termo de Ajustamento de Conduta emergencial (TAC) com a força-tarefa capitaneada pelo promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais, em parceria com o Ministério Público Federal. Nele as empresas se comprometem a pagar R$ 1 bilhão de reais para o início da recuperação da maior catástrofe.

Outra iniciativa que já está em curso é uma ação civil pública impetrada pelo NACAB exigindo o ressarcimento social e ambiental às famílias atingidas principalmente das regiões de Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce, Barra Longa e Ponte Nova. A ação argumenta que a presença da lama no leito do rio e nas margens dele “causou a perda de estruturas físicas do ambiente (diretamente relacionadas com a capacidade de sustentação da Vida no ecossistema), provocando a extinção ou declínio rápido até a extinção da flora e da fauna associadas ao substrato. Esse impacto afeta diretamente peixes como os cascudos e timburés, que se alimentam raspando o substrato, e outras espécies que se alimentam de vários tipos de invertebrados, como crustáceos, moluscos bivalves e larvas de inseto que são achadas entre as pedras.” e que isso afetará gravemente a ictiofauna (população de peixes) da região uma vez que nos encontramos em época de piracema (movimento dos cardumes rio acima para desova).

Para saber mais sobre a ação do NACAB, clique aqui.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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